segunda-feira, 19 de julho de 2010

O blues rola. Eu me coloco sentada à sua disposição. Ele vem, agudo, lento, cruel. Ele vai me esfaqueando lentamente. Eu poderia me levantar, poderia ir embora. Eu sei que poderia. Mas saberia eu o tamanho da minha dor? No fundo eu gosto de ser estraçalhada por ele. Só ele me traduz. Só ele sabe me dizer o tamanho do estrago a que me expus, deixando meu coração à mercê da solidão realista que só quem é honesto consigo  mesmo conhece. Eu estou ferrada, eu sei, e a noite será longa e violenta. (Entra o solo).

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pro tempo passar

Uma distração aqui
Um projeto ali

Um novo tema
Um certo esquema

Dá um trabalho tecer esta colcha pra cobrir a solidão!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Traquinagem

Vem cá, me dá tua mão
Vamos brincar de sonhar de brincar
Vamos ser par
É só brincadeira
E assim não dói

Vamos falar, sorrir e beijar, vamos girar
Tudo ao mesmo tempo

Vamos brincar de sonhar de amar...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Não, não me olhe no fundo dos olhos.
Nunca me olhe nos olhos por mais de dois segundos.
Meu corpo é um vulcão adormecido, já coberto de lava petrificada.
E os meus olhos, uma caldeira abafada.

É só silêncio o que me circunda. É só descrença o que me mantém dormente.

Não, não me olhe. Você não quer um desastre.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Arte de amar  (Manuel Bandeira)



Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.



Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.



Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Frustração

  Queria poder desmentir o poeta e tornar possível o "ser feliz sozinho".

sábado, 17 de abril de 2010

sádica

Ando má, ando aprontando das minhas, judiando de mim.
A última que aprontei foi cortar os meus pulsos com as lâminas da realidade e ver o sangue do otimisto esvair-se até secar. Ando bem seca.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Migalhas

Voz, movimento, sons e sorrisos
Instantes que eu tento reter na memória
Para me alimentar deles quando você já não está

É tudo tão perfeito
É tudo tão pouco

O que me resta é me perder entre o que aconteceu
E o que eu gostaria que tivesse acontecido
E nessa mistura de fatos e desejos
Me pego na mendicância do que você não me deu

sábado, 16 de janeiro de 2010

O verso certo




O mocinho estava ali, quietinho, em meio à avalanche de gente tentando se mostrar. Cada uma estampando uma promessa mais frajuta que a outra. E a vontade dela era exclamar: conta outra! Mas o mocinho nao prometeu nada, nenhuma solução para seus problemas, nenhuma resposta, nenhuma certeza. Ele apenas ofertou o verso certo. E ela nao precisou de mais nada para nunca mais perde-lo em meio à multidão. O mocinho ficou guardado no verso e a mocinha embasbacou. 




Ao som de Cat Power - Sea of Love

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Um dia numa noite...



Um dia, em um mundo repleto de artifícios tecnológicos a escuridão tomou conta de tudo. Os sentidos se aguçaram, a imaginação soltou as asas, todos os vizinhos sairam de suas casas, conversaram e riram entre si, imaginaram uma vida mais simples, onde tudo o que se tem é o aqui e o agora, um corpo, uma alma, uma voz e a atividade mais prazerosa pra se fazer e oferecer é uma boa prosa sob as estrelas...

Nesse dia, todos foram dormir com a certeza de que essa noite tinha sido de certa maneira diferente e mágica, embora soubessem que no dia seguinte não saberiam ao certo se ela havia mesmo sido realidade ou sonho. E a vida continuou, acessa, ligada, energizada, mas prática e mais solitária.



(Texto retroativo sobre o dia do ultimo grande apagao)

Escravos da correria...


Um dia desses eu estava indo ao médico, já meio atrasada para um dia cheio de compromissos, quando, na entrada do metrô, ouvi uma melodia linda de violino que me fisgou como o anzol a um peixe. A entrada da estação estava cheia, as pessoas iam e vinham em filas rápidas, muito rápidas. De um lado vinham, de outro iam e eu, que decidi parar para procurar a origem daquele som, ouvi reclamações por empatar o tráfego enquanto me decidia para onde me virar. Quando você está perdido em meio à multidão apressada em uma grande cidade como esta, está suscetível à falta de paciência alheia, de certa forma até justificável. As pessoas têm hora pra tudo, estão sempre com o tempo contado, como eu mesma estava. Eu precisava ser pontual ou provocaria uma bola de neve de atrasos ao longo do meu dia. Mesmo sabendo disso, eu não pude deixar de procurar o autor daquelas notas tão bonitas. Olhei pra um lado, e depois para o outro, mas não conseguia ver mais do que vultos de pessoas cabisbaixas, caminhando todas em um mesmo ritmo frenético, sem tempo para nem ao menos se dar conta de algo diferente em suas rotinas. Como eu também precisava ser rápida, mudei minha estratégia de busca e passei a buscar o som. Se eu tivesse podido fechar meus olhos ali, creio que tivesse sido até mais fácil. Dizem que quando bloqueamos um dos sentidos, aguçamos os outros. Mas isso ali no meio de tanta gente era arriscado demais. Mas, após atravessar uma série de fileiras de humanos, cheguei até um rapaz e seu violino. Se me perguntarem como ele era, não saberei descrever muito bem, embora me lembre de que tinha uma grande barba. Não houve tempo para registrar detalhes. Nem mesmo para apreciar a música. Não houve tempo de se dar um tempo de presente. Não houve nada além de instantes em que eu me dividi entre encontrar algum pequeno dinheiro em minha enorme bolsa e tentar apreciar o máximo possível daquela sublime melodia em meio aos ruídos de sapatos, vendedores ambulantes e ambulâncias do hospital vizinho. Enfim, foi o tempo de jogar o dinheiro na caixa do instrumento aberta ali no chao, olhar em seus olhos, sorrir apressadamente e sair correndo. Correndo da coisa mais bonita que me aconteceu naquele dia. Eu, mais uma escrava da correria...