sábado, 16 de janeiro de 2010

O verso certo




O mocinho estava ali, quietinho, em meio à avalanche de gente tentando se mostrar. Cada uma estampando uma promessa mais frajuta que a outra. E a vontade dela era exclamar: conta outra! Mas o mocinho nao prometeu nada, nenhuma solução para seus problemas, nenhuma resposta, nenhuma certeza. Ele apenas ofertou o verso certo. E ela nao precisou de mais nada para nunca mais perde-lo em meio à multidão. O mocinho ficou guardado no verso e a mocinha embasbacou. 




Ao som de Cat Power - Sea of Love

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Um dia numa noite...



Um dia, em um mundo repleto de artifícios tecnológicos a escuridão tomou conta de tudo. Os sentidos se aguçaram, a imaginação soltou as asas, todos os vizinhos sairam de suas casas, conversaram e riram entre si, imaginaram uma vida mais simples, onde tudo o que se tem é o aqui e o agora, um corpo, uma alma, uma voz e a atividade mais prazerosa pra se fazer e oferecer é uma boa prosa sob as estrelas...

Nesse dia, todos foram dormir com a certeza de que essa noite tinha sido de certa maneira diferente e mágica, embora soubessem que no dia seguinte não saberiam ao certo se ela havia mesmo sido realidade ou sonho. E a vida continuou, acessa, ligada, energizada, mas prática e mais solitária.



(Texto retroativo sobre o dia do ultimo grande apagao)

Escravos da correria...


Um dia desses eu estava indo ao médico, já meio atrasada para um dia cheio de compromissos, quando, na entrada do metrô, ouvi uma melodia linda de violino que me fisgou como o anzol a um peixe. A entrada da estação estava cheia, as pessoas iam e vinham em filas rápidas, muito rápidas. De um lado vinham, de outro iam e eu, que decidi parar para procurar a origem daquele som, ouvi reclamações por empatar o tráfego enquanto me decidia para onde me virar. Quando você está perdido em meio à multidão apressada em uma grande cidade como esta, está suscetível à falta de paciência alheia, de certa forma até justificável. As pessoas têm hora pra tudo, estão sempre com o tempo contado, como eu mesma estava. Eu precisava ser pontual ou provocaria uma bola de neve de atrasos ao longo do meu dia. Mesmo sabendo disso, eu não pude deixar de procurar o autor daquelas notas tão bonitas. Olhei pra um lado, e depois para o outro, mas não conseguia ver mais do que vultos de pessoas cabisbaixas, caminhando todas em um mesmo ritmo frenético, sem tempo para nem ao menos se dar conta de algo diferente em suas rotinas. Como eu também precisava ser rápida, mudei minha estratégia de busca e passei a buscar o som. Se eu tivesse podido fechar meus olhos ali, creio que tivesse sido até mais fácil. Dizem que quando bloqueamos um dos sentidos, aguçamos os outros. Mas isso ali no meio de tanta gente era arriscado demais. Mas, após atravessar uma série de fileiras de humanos, cheguei até um rapaz e seu violino. Se me perguntarem como ele era, não saberei descrever muito bem, embora me lembre de que tinha uma grande barba. Não houve tempo para registrar detalhes. Nem mesmo para apreciar a música. Não houve tempo de se dar um tempo de presente. Não houve nada além de instantes em que eu me dividi entre encontrar algum pequeno dinheiro em minha enorme bolsa e tentar apreciar o máximo possível daquela sublime melodia em meio aos ruídos de sapatos, vendedores ambulantes e ambulâncias do hospital vizinho. Enfim, foi o tempo de jogar o dinheiro na caixa do instrumento aberta ali no chao, olhar em seus olhos, sorrir apressadamente e sair correndo. Correndo da coisa mais bonita que me aconteceu naquele dia. Eu, mais uma escrava da correria...